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Eu tinha 4 anos e em Auschwitz eu era B1148
Michael Bornstein é uma das 52 crianças judias que sobreviveram ao campo de extermínio. “Se eu estivesse frente a frente com um nazista, diria a ele que o mal não venceu.”
Seremos a última geração a ouvir suas histórias e a apertar suas mãos. Estar diante de Michael Bornstein é dar um rosto, olhos, uma voz ao horror do Holocausto. Seus quatro anos estão imortalizados em uma foto em preto e branco, na qual Michael é retratado de pijama listrado do lado de fora do campo de Auschwitz.
Entre as 52 crianças judias, com menos de oito anos, que sobreviveram ao campo de extermínio, há também ele. Grande parte de sua prisão é transcorrida vivendo escondido na ala das mulheres, com sua mãe e avó tentando protegê-lo das patrulhas nazistas. Ele se lembra pouco da invasão da Polônia, onde nasceu. “Estou ficando mais velho e, portanto, esquecido”, diz ele bem-humorado. No entanto, é vívida a memória do gueto de Zarki, sua cidade natal, para onde são transferidos com a família. Em maio de 1944, são colocados em uma carroça de gado em direção a Auschwitz. A mãe, o pai, o irmão e a avó são seus companheiros de viagem até a chegada, quando seu pai e seu irmão de nove anos são confinados à seção masculina. Michael tem o arrependimento de não se lembrar deles, exceto através de fotos. Eles não saem vivos do campo. São mortos nas câmaras de gás. “Éramos muitas crianças e dormíamos em um setor onde as camas eram beliches de madeira dura e havia pouca comida. Estávamos todos morrendo de fome”, recorda. Sua mãe Sofia, apesar de receber espancamentos contínuos por suas escapadas, sempre consegue se esgueirar no alojamento, para levar-lhe sua porção de pão. Quando, no entanto, ela percebe que as crianças mais velhas o roubam dele, ele decide levar seu filho para a seção feminina. “Aprendi a ficar quieto e sossegado, escondido no beliche da minha mãe o dia todo, até que ela foi transferida para outro campo na Áustria para preparar munições. Então a vovó Dora tomou seu lugar, mas para sobreviver eu comia restos de comida do lixo, até cascas de batata.” Nessas passagens, as lembranças são vívidas. No inverno, entre 1944 e 1945, quando os nazistas, alarmados com o avanço das tropas russas, idealizam as chamadas “marchas da morte” – isto é, a transferência forçada de prisioneiros de campos de concentração para evitar que fossem encontrados ou para usá-los em um possível tratado de paz –, a avó percebe que a criança, já doente, não iria sobreviver à viagem e a leva para a enfermaria. “Os nazistas tinham pavor de germes e não entraram. Foi assim que nos salvamos. Foi um milagre.” Nas palavras desse octogenário, as memórias se sobrepõem às histórias da avó Dora. Após a guerra, ele e sua avó retornam à cidade deles, mas sua casa está ocupada por outros poloneses e por isso é um galinheiro que os abriga por vários meses, até que sua mãe retorna da Áustria.
Por 75 anos, Michael nunca fala de sua história. Um dia, com sua filha, à procura de um filme de 1945 no qual havia sido imortalizado, eles se deparam com vários locais de negadores do Holocausto. “Nesses posts, eles diziam que os campos de concentração não existiram ou não eram tão ruins, porque as fotos tiradas não nos mostravam tão magros. Os russos não nos alimentaram por duas semanas antes de nos retirarmos”, diz Michael vigorosamente. Ainda hoje, ele não deixa uma migalha no prato, em memória daqueles dias. E quando entra no metrô de Nova York, as lembranças do vagão que o levou a Auschwitz se sobrepõem. Vendo que muitos dos sobreviventes estão morrendo, Michael decide tornar pública sua história, a do prisioneiro B1148. Esse é o número tatuado em seu braço que, quando criança, ele mostra no filme histórico, e que fala sem palavras. Tal número fica escondido embaixo da camisas por décadas. Esse número o isola das outras crianças, refugiados como ele em um campo perto de Munique por 5 anos. “Eu tinha perdido os cabelos por causa da desnutrição e depois não falava alemão e, portanto, todos ficavam longe de mim. Eu era um invisível, um pouco como o que aconteceu nos meus primeiros meses nos EUA”, diz ele. É fevereiro de 1951 quando chega o visto para os Estados Unidos. Michael tem dez anos e embarca com sua mãe Sophie para Nova York. Por meses, eles dormem em um colchão na sala de estar de sua tia, antes de conseguirem um pequeno apartamento na área hispânica do Harlem. Ele trabalha por 25 centavos de dólar por hora em uma farmácia, entregando remédios e limpando as instalações para ajudar sua mãe, que se reinventa como costureira. Entre aparelhos para destilação, vasos de barro e balanças, Michael desenvolve uma paixão por farmácia e química e obtém um doutorado que o leva a trabalhar para empresas líderes, como Johnson e Johnson. Ao pensar na herança materna, Michael enfatiza duas palavras: educação e otimismo. “Instrução, instrução, instrução era o refrão dela”, explica ele, mostrando um relógio gravado com letras hebraicas que dizem: “Isso também passará”. É um presente de Sofia que sempre incentivou o filho a olhar para o futuro, para o positivo, mesmo nos dias mais sombrios. O trem para Auschwitz, o campo de concentração, a pós libertação são assustadores, mas se ficasse frente a frente com um nazista, Michael gostaria de deixá-lo saber que o mal, o ódio e o fanatismo não venceram. “A melhor vingança é mostrar a ele que estou vivendo uma vida cheia de felicidade. Sou casado há 54 anos; tenho quatro filhos e 12 netos maravilhosos.”
Artigo realizado graças também ao trabalho histórico de Maddie Kramer.