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Eu e o outro
Duas histórias muito diferentes, mas ambas capazes de nos falar sobre uma viagem em direção ao próximo. Trata-se de uma série de TV intitulada A small light e um documentário intitulado Wild Life: histórias de amor. A primeira ligada a um pesadelo: o da Segunda Guerra Mundial e da Shoah. A segunda, vinculada a um sonho ambientalista: construir parques nacionais na América do Sul. No entanto, são duas histórias com um fio condutor comum, portadoras de uma reflexão sobre o encontro (profundo) com o outro, para salvá-lo e para curar a nós mesmos.
Ir ao encontro do outro. Abandonar o torpor da própria zona de conforto para dar frutos em favor do próximo, que pode ser uma pessoa, uma família, uma comunidade ou até mesmo o mundo inteiro. São duas histórias muito diferentes entre si, que falam desse êxodo fértil, mas ambas portadoras de material para reflexão.
Uma está mais distante no tempo, impregnada de uma história mais ampla e mais dolorosa. A outra é mais próxima e poética, ligada à utopia. A primeira se distribui ao longo de uma série televisiva de ficção, a segunda tem a duração mais curta de um documentário, cuja narração extrapola a força da realidade.
As duas histórias estão disponíveis na plataforma Disney+ desde maio passado e foram realizadas graças à National Geographic, seção da plataforma na qual podem ser encontradas.
Carregam consigo duas realidades, dois mundos que não podem coexistir em harmonia: a guerra e a natureza, o inferno e o paraíso. Contêm outras diferenças: a primeira história não tem nada a ver com o desejo, mas com a necessidade de responder ao mal absoluto, à iniquidade dilacerante, com o bem e com a doação de si. A segunda história provém de uma escolha livre, ligada a um projeto pessoal e, portanto, ao compromisso de responder a uma exigência interior. A primeira história parte de um pesadelo; a segunda, de um sonho, mas elas estão ligadas por um fio que fala de amor, de trabalho em favor do outro, de esperança e beleza.
São duas histórias verdadeiras: a primeira nos leva à ocupação nazista da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial; a segunda, entre Chile e Argentina nos anos mais recentes. A primeira retorna a um nome dolorosamente famoso: o da jovem Anne Frank e o trágico destino que se abateu sobre sua família, investida pela mais alta expressão da loucura humana. A segunda nos fala sobre um doce nascimento ou sobre a proteção dos parques nacionais na Patagônia, graças à visão, à inspiração e à determinação de um homem (e da mulher ao seu lado).
A primeira história chama-se A small light e tem como protagonista a personagem real de Miep Gies, que ajudou a família Frank (o pai Otto, a mãe Edith, a irmã Margot e a caçula Anna), com a família Van Pels e Friedric Pfeffer, a se esconderem por dois anos em um refúgio no coração de Amsterdã. Ela fez isso de acordo com o seu marido Jan, membro da resistência holandesa durante a guerra, e a outras pessoas cujos corações eram incapazes de se fechar e endurecer, que não conseguiam simplesmente virar o rosto para o outro lado. Miep Gies era secretária de Otto Frank, e quando ele pediu que ela o ajudasse a se esconder com sua família, ela não pensou duas vezes ao dizer “Sim”. Viveu na angústia e por amor durante dois anos, no sacrifício cotidiano e no terror de ser descoberta, o que de fato ocorreu; na apreensão de que o cenário mais inaceitável e sombrio pudesse se concretizar. De fato, somente Otto voltou do campo de concentração, e viveu com a dor pelo resto de sua vida. Mas graças a Miep dispomos hoje do testemunho substancial de Anne Frank. Foi ela que, no abrigo vazio, antes dos alemães, recolheu os papéis escritos pela jovem e guardou-os para entregá-los ao pai quando o reencontrasse. Ela salvou aquelas páginas que mais tarde se tornaram o precioso diário/testemunho que todos nós conhecemos.
A segunda história é intitulada Wild Life: Uma história de amor e é dirigida pelos diretores vencedores do Oscar (por outro documentário intitulado Free Solo) Elizabeth Chai Yasarhelvi e Jimmy Chin. Narra a vida de Doug Tompkins e sua esposa Kristine, que usaram todo o dinheiro ganho com o trabalho (ele foi um empresário de muito sucesso no setor de roupas esportivas) para a proteção do planeta e, portanto, do ser humano, do próximo que está por vir. Fizeram isso abandonando o ambiente seguro da empresa, na qual ocupavam posições de poder (a própria Kristine tornou-se CEO) para criar ou incrementar parques nacionais entre o Chile e a Argentina. Usaram seu dinheiro para esse objetivo, acoplando (pedindo ajuda às instituições) porções e mais porções de território, protegendo-o, libertando-o, defendendo sua natureza mais íntima e encantadora.
Se a série A small light toca o coração a ponto de emocionar, por fazer com que sintamos de perto a condição dos protagonistas, Wild Life encanta pela beleza das imagens, pela forma como homenageia a palavra “cuidar”. Se a série (das mais emocionantes e importantes ao menos dos últimos tempos) nos fala com poderosa eficácia do horror da Shoah sem nunca nos mostrar o campo de concentração, o documentário, para usar as palavras da própria Kristine, dedicadas ao marido que faleceu em 2015, fala de uma “busca incansável e obstinada pela beleza”.
As duas histórias testemunham missões complexas e gigantescas, independentemente de surgirem a partir de uma escolha (a primeira) ou de um chamado (a segunda). São tarefas levadas a termo com a força de que o ser humano é capaz (sustentado por um amor fértil). São caminhos em direção àquele bem que podemos e devemos sempre mirar.
Miep Gies cuidou da pequena luz que lhe foi dada. Ela fez o que pôde na escuridão daquele momento histórico. Preencheu suas jarras, e aquela luz fraca tornou-se grande até à imortalidade, transformando-se em um instrumento pulsante de memória. A luz de Wild life se espalha de forma encantadora sobre a natureza, e sua dança se torna poesia, bem-estar, paz interior e força plena de entusiasmo para quem observa.