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A vítima, o agressor e todos nós: encontro com Viviana Colonnetti

 
26 novembro 2024   |   , bullying,
 
Foto di Alexa da Pixabay
Foto di Alexa da Pixabay

Entrevista sobre bullying com Viviana Colonnetti, psicóloga, psicoterapeuta, psicopedagoga e psicóloga jurídica e forense, especialista em abuso e maus-tratos infantis.

Viviana Colonnetti é psicóloga, psicoterapeuta, psicopedagoga e psicóloga jurídica e forense. É especialista em maus-tratos e abuso de crianças e adolescentes, formadora e membro-fundador da Comissão Central para a Proteção de crianças, adolescentes e adultos vulneráveis do Movimento dos Focolares. Achamos que ela era a pessoa certa para falar sobre bullying, e ela gentilmente aceitou, propiciando um encontro muito denso e útil.

Viviana Colonnetti
Viviana Colonnetti

Às vezes, quando falamos sobre bullying, ouvimos dizer que ele sempre existiu. Você concorda?

O bullying é a violência entre pessoas da mesma idade: adultos, crianças ou adolescentes.  A violência, que inclui o bullying, sempre existiu. É uma face, por nada bonita, do comportamento humano; o sinal de um mal-estar pessoal que não pode ser gerenciado de forma saudável. Daí a “escolha” – consciente ou inconsciente – de expressar dificuldade e frustração com um comportamento violento em relação a alguém. A agressão é um sintoma, o bullying não é a causa do respectivo comportamento.

E há o hoje

Com elementos do contexto social que dão diversas nuances ao bullying.

Por exemplo?

A divulgação pela mídia de histórias trágicas de bullying dá visibilidade a um fenômeno que antes acontecia (geralmente) de forma silenciada. Na escola ou no esporte, todos nós fomos vítimas disso, ou testemunhamos atos de bullying, com consequências mais ou menos graves. Fomos marcados por isso, mas antes vivíamos a violência na solidão e no silêncio, e quando, corajosamente, conseguíamos falar com o adulto, qual era a resposta? “Finja que nada aconteceu”.

O que isso significava?

Era um convite a negar a dor. Ao invés, aquilo de que não se fala, aquilo que não se enfrenta, continua a machucar. O que é negado se reforça.

Portanto, é positivo que estejamos falando de bullying.

A forte visibilidade do fenômeno que é dada pela mídia é positiva, pois conscientiza a comunidade – adultos, adolescentes e crianças – sobre o fato de que o bullying existe e é grave. Ao mesmo tempo, verifico no meu trabalho como psicóloga que não é suficiente.

O que mais é necessário?

Que a mídia, além de comunicar o drama do bullying, apresente chaves para entender como lidar com isso. Não basta condenar. É necessário explicar por que isso acontece, suas consequências e como evitá-lo. Caso contrário, você pode ficar paralisado diante do noticiário, com a impressão de não conseguir reagir.

Ainda mais em uma sociedade com forte tendência narcisista como a nossa.

Transmitida e incentivada pela visibilidade de pessoas narcisistas, que são apresentadas como “modelos de sucesso”, que propõem que sejam assumidas características narcisistas que favorecem situações de bullying.

Qual é a atitude do narcisista?

“Aqui estou EU, os outros estão ao meu serviço”: o colega de classe ou o parceiro de dança é visto como uma ferramenta, um “objeto” a ser “usado” para atingir objetivos.

Aqui está outro entrelaçamento entre o bullying e o presente.

Antes, a vida social era caracterizada por relações interpessoais intensas e saudáveis, que ofereciam aos jovens os grupos coesos, nos quais eles podiam se sentir, de alguma forma, seguros. Hoje, com as atitudes narcisistas (e como consequência delas), está sendo consolidada a tendência individualista de “salve-se quem puder”, transformando as pessoas em ilhas que compartilham os mesmos espaços, mas adoecem na solidão. A coesão no grupo de semelhantes é o antídoto por excelência para o bullying, porque o bem de todos predomina e não permite que a violência tome conta.

Muito útil! Permanecendo no presente, hoje falar sobre bullying também significa falar sobre cyberbullying. Quanto aumenta o perigo desse fenômeno?

No bullying, a agressão é presencial, olho no olho; no cyberbullying ela acontece na internet, nas redes sociais, nos chats. O cyberbullying, muito difundido, aumentou significativamente com a Covid e depois, porque os adolescentes se comunicam cada vez mais online.

Por que os efeitos são mais devastadores?

Porque a propagação da agressão tem um alcance maior e muitas vezes não é possível detê-la: basta um clique e a imagem chega a milhares de pessoas. No bullying, a agressão é presencial, e a vítima conhece o agressor; no cyberbullying, as redes sociais lhe dão invisibilidade, aumentando o sofrimento da vítima, que fica presa na armadilha da rede: é impossível escapar da intimidação e da humilhação. Ela continua a receber mensagens agressivas por meses, agravando sua condição dolorosa. Cada mensagem recebida faz reviver a violência e torna a vítima cada vez mais vulnerável. Além disso, esse conteúdo agressivo é muito difícil de ser eliminado da web.

Faz qualquer pessoa sofrer; ainda mais o adolescente, frágil por definição.

Imagine um adolescente nessa situação e como pode ser devastador sofrer humilhação contínua ao longo do tempo, sem saída aparente! Portanto, às vezes, para acabar com o sofrimento, chega-se a gestos extremos como o suicídio.

O que acontece na adolescência? Por que o bullying é capaz de produzir danos tão profundos nessa idade?

A adolescência é uma fase de mudanças profundas: físicas e de pensamento. Isso leva a uma crise de identidade inevitável e saudável: o adolescente não se reconhece mais no corpo e na mente, nas decisões, nos comportamentos, nas emoções, tornando-se particularmente vulnerável. A ideia de si mesmo que ele ou ela tinha quando criança não corresponde mais à realidade, gerando uma confusão mental desestabilizadora. Ele não sabe mais quem é. O esforço para reconstruir a própria identidade o leva a se reconhecer como uma pessoa autônoma, mas para conseguir isso, ele faz algo semelhante ao jogo do quebra-cabeça: escolhe as peças da imagem de si ainda criança que deseja preservar e incorpora as novas, fruto de novas experiências. Ao juntar essas peças terá uma imagem atualizada de si.

Como ele faz isso?

Pelo processo de separação-identificação. Para isso, ele se distancia dos pais, isola-se em seu quarto, rejeita ou critica o comportamento dos pais, sente-se atraído por novos adultos, fora da família: músicos, atletas, atores etc. O desapego cria ansiedade e medo da solidão. Então, ele se refugia no grupo dos semelhantes, com os amigos. Pertencer ao grupo é um elemento que diminui o nível de ansiedade. No grupo, o adolescente se acalma e não se sente sozinho. Por isso, na adolescência, pertencer a um grupo de pessoas da mesma idade é fundamental!

É por isso que, na complexa realidade do adolescente, o bullying pode destruir.

Se o bullying se esconde no grupo de colegas, podemos imaginar em que situação se encontra o adolescente vítima: ele se afastou dos pais para se conhecer e se reconhecer sem a ajuda deles. Ele se vê sem aquela proteção que tinha desde criança. Busca o grupo para se sentir protegido diante das mudanças perturbadoras dessa fase da vida e, nesse ponto, chega uma situação paradoxal: o grupo que deveria protegê-lo o machuca, agride, humilha, chantageia. A vítima de bullying se sente ferida e tremendamente sozinha.

Acaba de ser lançado no cinema o filme “O menino de calças rosa, baseado na história real de Andrea Spezzacatena, um garoto de 15 anos que se suicidou em 2012, após sofrer bullying. Qual é a importância de sensibilizar os jovens sobre esse tema?

Dialogar é fundamental: criar espaços seguros, onde é possível expressar o indizível, quase impronunciável porque é doloroso. A informação também é importante: ter conhecimento sobre o bullying, para entendê-lo e saber como agir. Precisamos dar aos adolescentes as ferramentas para entender o porquê, em concomitância com o trabalho sobre empatia. Treiná-los a se perguntarem o que uma vítima de bullying pode sentir. O que o agressor sente quando ataca? Por que os amigos que testemunham o bullying não fazem nada? O que os paralisa? O que sentem? Trabalhar a empatia faz toda a diferença na prevenção do bullying. Você não ataca alguém que ama.

O quanto é importante falar também sobre o agressor?

No bullying, o agressor, a vítima, os colegas e os adultos estão envolvidos. O foco está muitas vezes na vítima e em seu sofrimento, o que é muito importante. Infelizmente, porém, pouco ou nada é dito sobre as outras pessoas envolvidas no bullying. No entanto, é muito importante direcionar o nosso olhar para todos os envolvidos, incluindo o agressor, porque ele também, por meio de sua agressividade, pede atenção e ajuda. Ninguém acorda, em uma certa manhã, e decide se tornar valentão. Todo comportamento agressivo nosso responde a um porquê.

Quem é o agressor?

Não existe um perfil de agressor, não podemos generalizar. Cada pessoa é única. No entanto, observando os diversos cenários de bullying, é possível destacar situações que se repetem.

Tipo?

Às vezes, o agressor começa a atacar seu colega de classe involuntariamente ou por diversão, então a situação se torna repetitiva, e o grupo de colegas ou os adultos atribuem ao agressor um papel particular como protagonista do grupo, rotulando-o como o “valentão do grupo”, de quem se espera um comportamento agressivo. Nesse ponto, o agressor entra em um círculo do qual é difícil sair.

Ou?

O agressor pode ter sofrido – em outros contextos – atos de bullying ou outros tipos de violência. Assim, inconscientemente, ele tenta assumir o papel de agressor para evitar ser novamente vítima de violência.

Outras situações?

É possível que o adolescente, por meio da agressão, tente processar a própria experiência como vítima, não tendo conseguido fazer isso de outra forma.

O que esses tipos têm em comum?

Colocam em evidência que aqueles que agridem buscam atenção. Ele (ou ela) também precisa de ajuda. Por esse motivo, é necessário que os adultos voltem o olhar também para o agressor. É importante dedicar-se ao agressor, deter-se em questões que possam abrir uma janela de reflexão e de autocrítica e levar à conscientização de suas ações: qual é o lugar que você ocupa em seu grupo por ser agressivo? Em seu papel de agressor, o que você ganha e o que perde? Quais são as emoções que você sente com a agressão? E assim por diante.

Qual o papel dos adultos na prevenção e na cura do bullying?

Eles desempenham um papel crucial para orientar e guiar as crianças e os jovens em seus estilos relacionais. Às vezes, pensamos que o bullying é um fenômeno que expressa apenas a realidade das novas gerações, mas acredito que seja um espelho da sociedade. Convivemos com a violência normalizada, entre crianças, adolescentes e adultos. Séries de televisão, videogames, desenhos animados, reality shows, alguns filmes, apresentam modelos de relacionamentos agressivos, que nos fazem crescer com a ideia de que a violência é normal.

Como podemos combater essa visão distorcida da realidade?

A violência é prevenida dando visibilidade a modelos relacionais saudáveis que propõem outros modos de comunicação: diálogo, empatia, escuta, acolhimento, gentileza, assertividade, entre outros. Nesse contexto, o adulto tem um papel preponderante em ajudar a desenvolver essas habilidades em crianças e jovens. O fascínio de jovens atletas e artistas de sucesso que vivem essas habilidades mostra que precisamos de uma sociedade menos violenta e que queremos construi-la.

O que está escondido por trás do comportamento agressivo?

Insegurança, impulsividade, dificuldade em controlar as emoções e em reconhecer as dos outros. Às vezes, as crianças têm dificuldade em avaliar as consequências do próprio comportamento, a nível individual e social. Eles são intolerantes à frustração, muitas vezes como resultado de uma educação superprotetora que não ensina a gratificação adiada. E isso é muito importante, porque valoriza o processo: dá importância à caminhada, com os obstáculos a serem superados e as estratégias a serem escolhidas para atingir um objetivo. É um processo altamente educativo, mas há uma tendência a focar apenas na satisfação imediata.

Voltemos às responsabilidades dos adultos.

As habilidades que ajudam crianças e adolescentes a se tornarem pessoas seguras, abertas e inclusivas, só são desenvolvidas com a orientação do adulto. Para isso, é necessário um adulto com olhar amoroso, capaz de dar a eles atenção, apreço e aceitação.

Você tocou em vários pontos fundamentais….

Em resumo, a dificuldade em controlar as emoções, a falta de empatia e a intolerância à frustração são uma mistura explosiva, um terreno fértil para o bullying.


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