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Gaël Giraud: “Lutar contra a crise não é uma batalha pontual, mas uma longa batalha”
Continuamos com nossa série de entrevistas em vista do Evento Global A Economia de Francisco. Estamos incrivelmente felizes por ter falado com Gaël Giraud, um economista jesuíta francês especializado em teoria do equilíbrio geral, teoria dos jogos, finanças e questões energéticas. Diretor fundador do Georgetown Environmental Justice Program [Programa de Justiça Ambiental de Georgetown], ele colaborou com a Economia de Francisco como membro sênior da Agriculture & Justice Village.
Em 2013, com Cecile Renouard, o sr. escreveu um livro intitulado «20 proposals to Reform Capitalism» [“20 propostas para reformar o Capitalismo”]. A partir daquele momento, o mundo mudou muito. Basta mencionar a pandemia e os conflitos armados atuais, mas também a Laudato Si’, com todas as suas repercussões, e as novas visões da economia que emergiram. No entanto, os desafios cresceram mais rápido do que as propostas transformadoras para uma nova economia, para um mundo mais verde e mais justo. Então, nossa pergunta é: quais são agora os quatro pontos-chave que a EoF deve ter em mente se realmente deseja transformar a economia?
Essa é uma boa pergunta. Então, se eu tenho que mencionar apenas quatro pontos, deixem-me pensar sobre isso por um momento. Eu creio que um ponto seria definitivamente o “commons”, “os bens comuns” em português; “bienes comunes”, ¿cómo se dice en castellano? Bienes comunes? Essa é uma maneira de entender que um grande problema é a governança, e a governança em diversos níveis da vida social, como internacional, empresarial, estatal etc. Como podemos cuidar de nossos bens comuns em nível global no que concerne ao ar, ao clima, à biodiversidade, pesca, oceanos, abelhas e assim por diante? Então, esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é certamente que precisaríamos de uma regulação adequada do mundo financeiro. Na minha opinião, o principal inimigo da transição ecológica para uma sociedade de baixa emissão de carbono é o mundo financeiro. Por quê? Porque ali há um monte de bens funcionais fósseis, e a esses bens funcionais estão relacionados os combustíveis fósseis. Muitos bancos sabem que se eles foram comprados, e se amanhã de manhã decidirem que os combustíveis fósseis são um bem seguro, todos eles estarão falidos. Então, temos que resolver esse problema, temos que consertar as finanças.
O terceiro ponto logicamente é a transição ecológica em si. É assim que colocamos em prática um caminho certo a partir de hoje para sociedades baseadas em energia renovável. Há muitas maneiras de fazer isso. Publiquei um relatório para a França que demonstra que isso custaria cerca de 2% do PIB nacional a cada ano. Apenas 2%, mas ainda é 2%. Podemos fazer o mesmo exercício para cada país. Mas a questão principal é como atuá-lo de forma justa e equitativa, a fim de evitar que sejam os mais pobres da sociedade a pagar mais uma vez, eles que já pagam a conta da transição ecológica.
E o quarto ponto, certamente, é reinventar o trabalho.
O trabalho decente no sentido da OIT (Organização Internacional do Trabalho), mas também como forma de socialização; o trabalho como um “buen vivir” no sentido latino-americano; o trabalho na compreensão da língua Shona no Zimbábue que o relaciona com a pessoa, com a natureza, com os antepassados etc., inclusive o trabalho como experiência, no sentido de Swaraj, na Índia. É assim que podemos ensinar a nós mesmos, aprender o autocontrole e a autolimitação. Então, esses são os quatro pontos.
No primeiro ponto, o sr. mencionou o bem comum; em um artigo que escreveu recentemente, enfatizou que os quatro princípios em vista do bem comum e da paz do papa Francisco na Evangelii gaudium poderiam ser uma fonte de inspiração interessante para os jovens como nós, que queremos reconstruir a economia a partir de um mundo real e concreto. Então, queremos entender por que o sr. pensa assim. Pode aprofundar mais esse tema?
Certamente! Em primeiro lugar, devemos fazer uma distinção entre o bem comum (no singular) e os bens comuns (no plural), porque são duas coisas distintas.
O bem comum é um conceito na tradição cristã, na tradição católica que remonta, pelo menos, a são Tomás de Aquino, o grande dominicano do século XIII. Significa algo como interesse universal, o bem universal para todos, mas com o esforço cristão para produzi-lo; enquanto o termo bens comuns tem o sentido de toda e qualquer maneira específica de organizar o gerenciamento de uma série de recursos, tanto materiais quanto imateriais. Devemos manter a distinção. No que concerne ao que escrevi no meu artigo na revista La Civiltà Cattolica, afirmei ali que existem quatro princípios enfatizados pelo papa Francisco na Evangelii gaudium. Mas eles podem ser encontrados em todos os lugares e em tudo o que o Papa escreveu.
O primeiro é que o tempo é superior ao espaço, que é uma forma de dizer que temos que pensar de forma dinâmica, que temos que pensar em termos de história e em termos de trajetória.
Devemos renunciar à esperança de resolver um problema da noite para o dia, porque isso não acontecerá dessa forma.
Vou lhes dar apenas um exemplo. O primeiro-ministro francês declarou em um discurso diante do parlamento francês: “Venceremos a batalha climática”. Isso é simplesmente errado. Não é uma batalha; não é uma batalha pontual. É um processo longo com alguns progressos e até mesmo algumas regressões. É um processo gradual. Então, o tempo importa. Precisamos pensar em termos de processo sensível ao fator tempo. Esse é o primeiro ponto. O segundo, que o Papa enfatiza, é que o todo é superior às partes. Ou seja, o todo não é a soma de seus componentes. É maior do que isso. É um modo de dizer que quando estamos juntos, podemos fazer algo que é muito maior do que a soma daquilo que cada um de nós pode alcançar separadamente. Portanto, há realmente algo na cooperação e na colaboração que torna as coisas possíveis. Caso contrário, seria absolutamente impossível.
Agora, o terceiro princípio. Adivinhem. O Papa enfatiza que a unidade prevalece sobre o conflito. A unidade importa mais do que qualquer outra coisa. Isso é particularmente importante para ele, para a Igreja, no sentido de que certamente o papa Francisco não quer dividir a Igreja. Não é ele que cria motivos para a divisão, mas essencialmente pessoas que não concordam com sua perspectiva e, portanto, geram uma polarização na Igreja. Mas isso também se aplica à sociedade e à economia. Ou seja, devemos fazer as coisas juntos. E isso é especialmente importante hoje, por causa do enorme desafio da crise climática.
Minha experiência, pelo que vejo, é que alguns membros da elite, da elite social e econômica, estão se distanciando do resto da multidão. E sonham unicamente com um mundo em que poderão viver em guetos protegidos de todo o resto, e onde terão acesso privilegiado à energia e à substância, enquanto os pobres morrerão de fome. Portanto, isso não é uma maneira de dizer que a unidade é um pretexto para tudo. Por isso, os pobres nos lembram que precisamos pensar juntos, ou que não estamos realmente fazendo isso. Estamos todos no mesmo barco. A unidade importa.
E o quarto princípio é: a realidade é mais importante do que a ideia. Isso quer dizer que precisamos de uma espécie de realismo.
Vou dar um exemplo. Há algumas pessoas neste planeta, até mesmo economistas, que acreditam que é possível ter crescimento verde e lucrar, ao mesmo tempo em que abordam as questões das mudanças climáticas, satisfazendo assim a todos.
Isso é completamente irrealista. Todas as simulações que executamos no Programa de Justiça Ambiental tendem a demonstrar que os negócios geralmente são um cenário que leva a um colapso global. Portanto, aquilo que é irrealista, aquilo que é completamente ideológico é acreditar que a produtividade e o extrativismo de hoje, que herdamos da Revolução Industrial, ainda podem continuar pelas próximas décadas. Esse não pode ser o caso. Portanto, o realismo e a realidade importam mais do que as ideias.
Nossa última pergunta: Como jovens, como coordenar a linha de ação para construir a Economia de Francisco (EoF)?
A Universidade de Georgetown quer oferecer a vocês e a todos os jovens que estão animados para trabalhar dentro do paradigma da EoF, um site no qual podem escrever o que a Economia de Francisco significa para vocês. Sei que há um bom número de pessoas prontas para dizer algo sobre a Economia de Francisco. Mas não é verdade, pois não sabemos o que ela realmente é. Vocês, jovens, devem inventar a Economia de Francisco. Quando o Papa compartilhou essa inspiração há mais de dois anos, em relação ao que hoje chamamos de Economia de Francisco, ele afirmou que a economia atual está matando o planeta e que é preciso reinventar a economia. Essa é a missão de vocês, e eu os convido a concretizá-la. Mas o Papa não sabe a priori o que é. Até o livro em si não diz nada. Nem o próprio Deus sabe. Vocês têm que inventá-la. É por isso que minha sugestão é ter um site hospedado pela Universidade de Georgetown, porque é uma economia séria, não é uma economia típica como um certo número de economistas diriam que é. E começando o site do zero, podem escrever o que significa para vocês, com as suas experiências.
Na aldeia Agricultura e Justiça, eu me lembro, há uma fazenda orgânica no Brasil que está funcionando. É possível fornecer nesse site alguns dados sobre a experiência dessa fazenda. E sei que há outros experimentos que estão sendo implementados na África Subsaariana. Também podemos dar um feedback para os participantes nesse site. Passo a passo, isso poderia fornecer-nos um quadro mais amplo. E o que a Universidade de Georgetown poderia fazer é oferecer coordenação. Poderíamos ajudar a organizar os encontros: talvez um encontro na América Latina, outra na África, um terceiro no Sudeste Asiático, e tudo isso em um ano e meio ou dois anos. Uma vez feito isso, e tendo uma visão geral, organizaremos um grande evento e conversaremos como o Papa, como faremos em 24 de setembro. Minha sugestão é que em um ou dois anos possamos falar com o Papa. Agora, vocês nos chamaram para dizer o que é a Economia de Francisco. Bem, essa é a nossa resposta. É assim que eu entendo a coordenação, caso contrário há um pequeno risco de que vocês sejam tão criativos que cada um tenha um objetivo diferente em uma direção diferente, sem fornecer um quadro unificado.
Se queremos ter um quadro coerente, sistemático e unificado, precisamos de uma coordenação. É assim que eu tentaria promover a coordenação.
Muito obrigado, Gaël. Para concluir essa entrevista, gostaríamos de pedir-lhe para dizer algumas palavras finais aos jovens que estão se preparando para ir a Assis para a Economia de Francisco.
Bem, eu vou encontrar vocês lá! Estarei lá com vocês! Estou incrivelmente feliz por isso. É algo especialmente importante, e não devemos nos impressionar com os economistas neoliberais que argumentam que o que estamos tentando fazer não é sério. O trabalho que estou fazendo na Universidade de Georgetown é muito mais sério do que qualquer coisa que esses novos economistas liberais fizeram até agora. Tenho certeza de que o tipo de criatividade e imaginação que vocês têm é muito mais significativo. Na verdade, vocês são o futuro do planeta, vocês são o futuro da economia deste planeta. Precisamos realmente de vocês para que haja um novo entendimento da economia. Caso contrário, a tradição da economia clássica e neoclássica só nos levará ao colapso que está ocorrendo em forma de guerra. Sabem que hoje há racionamento de água no sul da Itália. E temos consciência de que, se não fizermos nada, até 2040 haverá falta de acesso à água potável na Itália. A Itália, em 20 anos, poderá encontrar-se na situação de algumas partes da Índia hoje. Os pobres da Índia central não têm acesso à água.
Portanto, se vocês querem evitar isso, se vocês querem promover uma nova e próspera economia em que todos sejam felizes, precisamos que vocês se comprometam em reinventá-la.
Vejo vocês em Assis. Até breve!