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É necessário um salto qualitativo no acompanhamento de quem vive nas ruas

 
13 setembro 2024   |   Argentina, solidariedade, Caritas
 
Foto di Matthias Zomer_Pexels
Foto di Matthias Zomer_Pexels

Entrevista com Pablo Vidal – Trabalhar diariamente com pessoas com problemas de dependência e em situação de pobreza obriga a enfrentar realidades muito complexas. De que modo é possível ajudá-los? O que fazer para não nos habituarmos com uma situação injusta? Que medidas o contexto atual exige? Um dos representantes da Cáritas Argentina oferece algumas respostas.

Em 2016, a Cáritas Argentina criou o Departamento de Trabalho Pastoral e Comunitário para os Vícios (APyCA – acrônimo em espanhol), que atua com realidades afetadas pelas drogas, muitas vezes em contexto de indigência. O departamento é chefiado por Pablo Vidal que, em diálogo com Ciudad Nueva, compartilha seu ponto de vista sobre a crescente pobreza no país e sobre como enfrentá-la, com ênfase especial na necessidade de ajudar a reconstruir laços. Além disso, em vista dos meses de inverno, considera essencial “dar respostas de maior qualidade”.

Que informações vocês têm sobre o contexto atual dos sem-teto na Argentina?

Como acontece com muitas outras questões sociais, o número de pessoas que vivem nas ruas na Argentina está aumentando, mas até o momento não há estatísticas confiáveis em nível nacional que forneçam o número exato. Na verdade, há pouco tempo foi aprovada uma lei em vista do recenseamento dessas pessoas, por isso acredito que neste ano ou no próximo teremos uma ideia mais clara da situação. Por um lado, é evidente que esse é um fenômeno crescente; por outro lado, há falta de infraestrutura para lidar com isso. Não há muitas estruturas capazes de acolher homens, mulheres e famílias que vivem nas ruas. A Argentina está muito carente nesse ponto.

Existe um plano de ação específico para a chegada dos meses de inverno?

Para este ano não há um plano de ação específico, mas nós da Cáritas Argentina, especialmente a Família Grande do Lar de Cristo, acompanhamos as pessoas nas ruas há muito tempo, e é uma atividade que está se desenvolvendo cada vez mais, felizmente. No ano passado, colocamos em ação um plano para o inverno para adaptar e preparar novas instalações. Funcionou muito bem e permitiu abrir novos espaços da Igreja para a acolhida, por exemplo, em Córdoba, Rosário e em vários lugares do país, sempre com o apoio inicial da Cáritas. Na maioria das vezes, são lugares onde a Cáritas trabalha há anos. Além disso, as paróquias geralmente distribuem refeições a essas pessoas antes de acompanhá-las para dormir nas várias instalações.

O Departamento que você dirige foi criado em 2016. Que necessidades tinham surgido?

Foi uma decisão de Oscar Ojea, então presidente da Cáritas Argentina, com base em uma realidade que estava surgindo em várias partes do país naquele período: a de acompanhar as pessoas afetadas por esse sofrimento, pelo flagelo das drogas. O problema do vício no mundo é recente, apareceu nos anos 80 e 90, e os bispos já falavam sobre isso na época. Também foi mencionado no Documento de Aparecida, há quinze anos. Dizia-se que as drogas eram uma pandemia que afetava todas as classes sociais, uma gota de óleo que contaminava tudo. Hoje vemos que essa realidade se espalhou por toda parte. Não há uma única comunidade na Argentina que não sofra com esse problema. E é por isso que nasceu o novo departamento, para responder com maior entusiasmo a esse desafio do nosso tempo.

Nesse trabalho, há muita ênfase nos laços e nos relacionamentos humanos. Por quê?

A característica distintiva do nosso trabalho é a capacidade de criar laços, vínculos. A rua e o uso de drogas isolam a pessoa de tudo. Em algum momento, ela se vê isolada da família, do local de trabalho, do grupo de amigos e até mesmo da vizinhança. Às vezes, além da falta de trabalho, de não ter terminado a escola ou de problemas com a justiça, há uma dor muito mais profunda, que escapa a qualquer estatística, que é estar órfão de amor. Percebemos a imensa solidão de tantos rapazes e moças que não têm família, que foram deixados sozinhos. Portanto, na Cáritas, com as nossas comunidades cristãs, com os nossos centros de bairro, temos uma capacidade enorme de criar um clima de família, de estabelecer novos laços de afeto que permitam o desenvolvimento da pessoa. E é isto que faz a diferença: a capacidade de criar clima de família e de acompanhar a pessoa ao longo da vida. Não a acompanhamos apenas enquanto ela mora na rua. Também a acompanhamos quando ela faz aniversário, quando se casa, quando encontra uma casa. Para nós, como comunidades religiosas, esse sempre foi um objetivo claro: criar comunidade, ou seja, em última análise, criar clima de família. Diante dessa solidão e dessa falta de amor, nós nos tornamos uma família que acompanha aquela pessoa. Acompanhamos quando ela está doente, no hospital, na prisão, na rua… Para que saiba que sempre terá uma família, uma casa que está sempre aberta.

A sociedade argentina tem uma grande solidariedade inata. Como você reage a esse problema, especialmente nos períodos mais rigorosos, como o inverno?

A sociedade argentina tem a solidariedade nas veias, e isso se constata. Em muitas paróquias, não são doadas apenas roupas, mas também são preparados e distribuídos alimentos para as pessoas na rua. Tudo isso pode ser verificado, e envolve um grande trabalho em muitos bairros por parte da Igreja e de outras organizações da sociedade civil e fundações, que unem esforços para ajudar os que vivem nas ruas. Do meu ponto de vista, o desafio é dar um salto qualitativo juntos, todos juntos, na forma como acompanhamos essas pessoas. Além da distribuição de refeições e roupas, é preciso montar estruturas para acomodar esses jovens durante a noite, principalmente quando está muito frio. Creio que, nesse caso, não só o Estado, mas também a Igreja tem uma grande responsabilidade, porque dispõe de muitos espaços que não são utilizados durante o inverno, como salões, ou as próprias capelas, que poderiam ser abertas ao menos durante o inverno, para que ninguém morra de frio na rua. A Argentina é um país muito solidário, e muito trabalho já foi feito, mas diante de um problema cada vez mais vasto e complexo, a qualidade das soluções propostas precisa ser melhorada. É por isso que abrir espaços para pessoas em situação de rua e para as famílias é muito importante.

Ver pessoas em situação de pobreza é algo que acontece diariamente. Como podemos evitar que nos acostumemos com a marginalização?

Há algo no ser humano que faz com que todos acabemos nos acostumando com essa realidade. E não estou falando apenas das pessoas que nunca lidaram diretamente com isso. Nós mesmos, que trabalhamos diariamente, às vezes acabamos considerando como algo normal. Acontece um pouco como defesa, porque é difícil suportar tanta dor, então simplesmente nos acostumamos com situações injustas, como ver uma mãe com seu filho morando na rua. Creio que é um mecanismo psicológico de autodefesa. E considero que seja possível superar isso quando passamos a acompanhar essas pessoas em comunidade, e não individualmente. Acompanhá-las em comunidade nos permite lidar melhor com essas situações e superar essa tendência ao hábito. Às vezes, basta que alguém venha com você e diga: “Não, isso não está certo, algo tem que ser feito”. Esse é um aspecto importante. É uma questão sobre a qual a sociedade precisa ser mais conscientizada. E, como eu disse, dar respostas de maior qualidade. Acho que é também a única maneira de realmente dar às pessoas a oportunidade de entender que aqueles que vivem nas ruas não o fazem por escolha, não usam drogas por opção, mas porque provêm de uma história de grande sofrimento.

O que você diria para aqueles que querem ajudá-los?

Para vir conhecer aqueles que vivem nas ruas. Fazer amizade com eles. Antes de ajudar, é preciso fazer amizade. Voltando ao que dizíamos a respeito dos laços, é natural que nos coloquemos no papel de quem “é melhor do que o outro”, e às vezes esquecemos que o outro tem algo a nos ensinar. Ir ao encontro do outro com uma atitude de amizade gratuita. Quando nos conhecemos, ficamos amigos, a vida é mais bonita.


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