United World Project

Workshop

Escola Unipar, Paraguai. Um mundo de terra vermelha para compartilhar

 
14 outubro 2022   |   , ,
 
Por Martina Fantini

Voluntariado internacional com a AFN graças à plataforma de voluntariado de Milonga. A experiência de Martina, italiana. Assim também se constrói um mundo mais unido!

Sou Martina, tenho 36 anos e acabei de voltar para a Itália depois de uma experiência de quase 2 meses de voluntariado no Paraguai (admito que fui olhar no mapa onde ficava exatamente!).

Para mim, decidir partir como voluntária foi como ouvir um chamado. Era um desejo que eu tinha há muito tempo e que pude tornar real. Quando temos Amor no coração, creio que é sempre bom saber como doá-lo. Vivi quase dois meses em um mundo de terra vermelha, minúsculo e feito de nada, onde se esconde um mundo infinito feito de tudo.

Senti um calor humano incrível. Como se sentir parte de uma grande família e fazer parte dela há muito tempo. Nunca esquecerei a doçura do abraço da Katy, a garota que me hospedou, no dia em que cheguei. Um abraço que me fez sentir imediatamente em casa. “Mi casa es tu casa”, ela me disse. Com generosidade, fui hospedada por um jovem casal do Bairro, Katy e Miguel, com quem imediatamente ocorreu uma conexão profunda e livre. Ter vivido com eles, cercado pelas famílias do Bairro (cerca de 50!), pelas crianças, pelo contexto real e difícil em que me encontrei, fez toda a diferença.

Parti de casa com uma mala de curiosidade, gentileza e com o coração aberto para criar uma troca de bens, sem expectativas; e voltei para casa com uma Bagagem de Vida. Como um pintor que pinta um quadro à mão livre em uma tela completamente branca. Com uma paleta e pincéis, dia após dia, comecei a dar forma à pintura, na qual as cores eram os olhares, os sorrisos, a generosidade, as dificuldades, a simplicidade, os abraços, o entusiasmo, o acolhimento, a dignidade, a gratidão, a pobreza, a singularidade e a admiração das crianças e de todas as pessoas que conheci.

O projeto do qual tive a honra de fazer parte funciona no contexto escolar. A escola Unipar, no pequeno bairro de San Miguel de Capiatà, conta com cerca de 65 crianças de 4 a 7 anos (num total de 4 turmas!). O nome da escola contém em si todo o seu valor e significado: Unipar, Unidade e Participação. As atividades referem-se ao apoio escolar, ao fornecimento de ao menos uma merenda diária para fortalecer as capacidades cognitivas de cada criança e uma dedicação ilimitada por parte das professoras Nancy, Lety, Francisca, Gabriela e a diretora Yamile (além de todas as outras pessoas, voluntárias ou não, que fazem parte dela!).

Aprender Jogando” é o método que essa escola usa. Eu imediatamente fiquei fascinada e me empolguei em criar minhas aulas. A única italiana, a única voluntária, com a dificuldade da língua (viajei conhecendo um punhado de palavras em espanhol), tendo outra profissão na vida (sou agente de viagens), em outro contexto, realidade, desconfortos, condições, costumes… para mim foi um bom teste.  Eu era a “Prof Martina”, a prof da ginástica e inglês.

Com a diretora da escola, encontrei “espaço, forma e cor” no projeto. Tudo aconteceu com extrema naturalidade, como seguir um fluxo e estar ali plenamente. Eu me senti à vontade, livre para me expressar 100%, para ser eu. Todos os dias, eu me dedicava a pensar e criar uma aula específica para a turma com base na idade, a fim de que fosse nova e estimulante para as crianças, traduzindo-a do italiano para o espanhol (sempre carregando um caderno de anotações comigo) e utilizando ideias e materiais que encontrei observando ao meu redor. Eles tiveram a habilidade de fazer com que me sentisse “eu” do outro lado do mundo e, talvez, trazer à tona uma das minhas melhores versões.

Com os pequenos, eu criava aulas que visavam a estimular a curiosidade, a imaginação, todos os sentidos (olfato, tato, audição), além de envolvê-los ativamente. Com os maiores, ginástica para coordenação, espírito de equipe, colaboração, cooperação, tudo combinado com aulas de inglês e geografia (ao menos para fazê-los entender de onde eu vinha). E quando as crianças me perguntavam: “Prof Martina, quando teremos aula juntos?”, “Prof Martina, se hoje você não está com o seu caderno significa que não faremos ginástica?”, “Prof Martina, pode se sentar ao meu lado na aula?”, “Prof Martina, você não tem um lanche? Eu te dou um pedaço do meu”, “Prof Martina, obrigado por todo o amor que você nos deu”…  Eles fizeram com que eu me sentisse viva.

Além desse projeto em que estava engajada à tarde, acompanhei outro pela manhã, que surgiu diretamente no local e do qual imediatamente me senti parte ativa. Uma experiência forte e verdadeira que me colocou diante da realidade “nua e crua” em um contexto de grandes contradições numa relação autêntica e humana frente a frente com uma adolescente esquecida do Bairro. “A que horas nos veremos amanhã Prof, às 6 da manhã?” ” Prof Martina, posso ir à Itália com você?”; ou quando ela me via chegando e corria para me encontrar e me abraçar. Era eu e ela, em nossas manhãs a serem “compartilhadas”. Isso me fez refletir sobre o valor, a singularidade, a dignidade e a igualdade de cada ser humano e como, mesmo um pequeno “ladrillo” (tijolo), pode fazer a diferença na vida de uma criança.

Durante alguns fins de semana, nos dias em que eu tinha tempo livre, pela minha “deformação profissional” e natureza curiosa, explorei o entorno utilizando o transporte público (verdadeiras aventuras com o “Colectivo”, ônibus sem paradas fixas e sem horário), visitei as cidades, comi com a população local nos mercados, fazendo pequenas compras em lojas de artesanato, esgueirando-me nas “fábricas” e nas realidades locais, tendo assim a oportunidade  de uma visão mais ampla não só do projeto, mas do próprio país.  Observar (e não simplesmente olhar) me permitiu contextualizar e conhecer ainda melhor o ambiente em que estava e trabalhava. “O Paraguai é improvisação, e cada dia é uma aventura”, disse Miguel. E eu, com um sorriso no rosto e uma risada, sempre respondia “É, notei isso”.

Meus dias eram dias de vida, eu não os transcorria, eu os vivia plenamente no presente. Do Paraguai, que da língua paraguaia guarani significa “Oceano que vai em direção à água”, eu levo para casa… enriquecimento e evolução interior; o conhecimento de novas pessoas, culturas, tradições, contextos geográficos; o valor do tempo e da espera; o calor humano; saber confiar; improvisação, e não programação; admiração; viver o desconhecido com curiosidade, e não com medo; gratidão diária; fé; valor humano, e não material; dar nova vida, reciclando; o senso de comunidade; quanto podemos dar e receber em uma troca de bens; estar lá por prazer, e não pelo dever; a descoberta de que minha maneira de encarar a vida cotidiana é apenas uma das muitas maneiras possíveis; ver novas perspectivas; seguir o curso do sol, o ritmo e a vivacidade da natureza; reconhecer a singularidade e o valor do que acontece no dia, sem a necessidade de preenchê-lo com atividades programadas; a consciência das minhas capacidades de adaptação e mudança no enfrentamento de novas situações; como os momentos difíceis foram recompensados até mesmo pela satisfação de tê-los superado; um eu” em uma nova roupagem; viver e estar plenamente no presente, e não em projeções futuras; desconexão do mundo digital; saber como dedicar momentos de partilha autêntica com uma escuta interessada; colher a essência dos lugares e das pessoas e saber como torná-la minha; a liberdade de ser eu.

Lembro-me todos os dias desses dois meses. Parecia que eu tinha estado longe de casa por um ano inteiro. Não foi só uma experiência, foi um pedaço de vida. No dia em que tive que retornar para a Itália, eu me perguntei como iria fazer sem as crianças, os professores, minha família paraguaia, o povo do Bairro. Então percebi que uma riqueza nunca será uma falta.


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