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O Genfest Calabria 2024 e “cuidar da paz”

 
2 agosto 2024   |   Itália, genfest, Movimento dos Focolares
 

O Genfest – o festival da juventude – ganhou vida na Calábria. Os discursos de especialistas foram numerosos, estavam presentes cerca de 400 jovens de toda a Itália, em particular do centro-sul da península, houve atividades de voluntariado e uma comemoração expressiva na praia de Cutro, onde 94 migrantes perderam a vida em fevereiro de 2023.

O Genfest 2024 Calábria começou em Lamezia Terme, no auditório do conjunto interparoquial “S. Benedetto”, que, na edição italiana “local” do encontro internacional da parte juvenil do Movimento dos Focolares realizado em Aparecida (Brasil) nos últimos dias, escolheu a Calábria como ponto de encontro de jovens de todo o Sul da Itália e das ilhas. Estavam presentes cerca de 400 jovens da Calábria, Sicília, Basilicata, Puglia, Sardenha e Campânia e de outras partes da Itália, com representantes de outros países europeus e do Oriente Médio. A abertura dos três dias foi uma festa de olhares, encontros, música e cores, com centenas de jovens que refletiram, que se questionaram, que quiseram “pôr a mão na massa” e aprofundar o tema “cuidar juntos”, que é um desafio urgente em uma sociedade e em um mundo aparentemente interconectados por relações “virtuais”, as quais, no entanto, geralmente dão lugar à solidão “real” e ao individualismo.

“Cuidar”: uma resposta ao anseio de relação com o outro, que está presente em cada coração humano, aquele coração “de cada jovem”, no qual – disse o bispo de Lamezia Terme, dom Serafino Parisi – “há imaginação, desejo de um mundo melhor. Uma imaginação que não pode permanecer só nisso, mas que deve ser transformada em um desafio a ser aproveitado: o de se tornar protagonista da mudança. Espero que um dia, olhando para o passado, vocês possam ver que o bem que conseguiram construir também tem a assinatura de vocês”.  Ao recordar a origem do Movimento dos Focolares e a figura de Chiara Lubich, o presidente da Conferência Episcopal da Calábria, dom Fortunato Morrone, exortou os jovens a fazerem emergir suas potencialidades, levando adiante aquela onipotência do amor que Chiara Lubich havia intuído.

“Agradeço por este rio de felicidade, que desejo que flua em todas as partes do mundo”, disse o prefeito de Lamezia Terme, Paolo Mascaro, dando as boas-vindas a todos os presentes, reiterando que “Lamezia se orgulha de ser a força motriz de uma iniciativa que deixará sua marca, um sulco em nossa terra e da qual nos lembraremos para sempre”.

Também estiveram no palco os jovens da associação “Lucky Friends”, que partilharam, com um vídeo, a história das suas atividades na região há mais de dez anos. Durante a parte da manhã, houve os testemunhos de alguns expoentes do Movimento dos Focolares, de várias regiões italianas, que compartilharam brevemente com os jovens suas experiências nas várias edições do Genfest, o qual acontece desde 1980. Uma história que entregou aos jovens de hoje o sabor e as emoções da preparação, da expectativa, e principalmente o valor do encontro entre olhares diversos; e tudo isso se tornou um tesouro a ser preservado por toda a vida.

O tema da relação com o outro esteve no centro das atenções, e a primeira parte do dia se concluiu com Valentina Gaudiano, vice-reitora do Instituto Universitário Sophia e professora de Antropologia Filosófica, que na conversa com os dois jovens apresentadores da manhã, Mattia Paradiso e Francesca Porcelluzzi, sublinhou o valor da relação como um “elemento constitutivo do nosso eu. Nenhum de nós se dá um nome sozinho, nenhum de nós nasce sem um relacionamento. Isso nos diz que cada um de nós é único e irrepetível, em um vínculo de dependência em relação aos outros”.

O primeiro dia continuou com uma visita dos jovens a algumas associações e comunidades da região, que trabalham para a recuperação de pessoas com dependências, acolhimento de migrantes e menores estrangeiros desacompanhados e iniciativas ecológicas, e depois se concluiu com uma visita à árvore centenária: o plátano de Curinga.

No segundo dia, às 11h30, no auditório do Santuário “Madonna Greca”, na ilha de Capo Rizzuto, dom Francesco Savino, bispo de Cassano allo Jonio, vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana para o Sul da Itália, deu sua saudação a todos, seguido de um debate com Pasquale Ferrara (Embaixador) e Maria Giovanna Pietropaolo (Associada de Relações Externas do ACNUR, ONU).

Ainda no segundo dia do Genfest 2024, sempre partindo do auditório do santuário “Madonna Greca, na ilha Capo Rizzuto, os 400 jovens percorreram cerca de 90 quilômetros para viver esse dia do Genfest dedicado a um tema urgente: “Vamos cuidar da paz” – hoje tão em risco no mundo – e à situação dos vilarejos ribeirinhos do Mediterrâneo. Eles foram recebidos por dom Francesco Savino, que convidou os jovens a responderem hoje ao chamado de Deus para consertar “a casa do mundo”. Ao falar do Mediterrâneo, um lugar onde dezenas de milhares de pessoas morreram, ele disse: “Vamos voltar a ser humanos, todos nós. Hoje há muita desumanização. Um cristão que não se torna humano nega Jesus Cristo”.

Depois, foi feito um apelo à paz, para a qual todos nós devemos tender, com um primeiro nível de compromisso, que envolve todos. É isso que diz respeito a todos nós, chamados a ser artesãos de paz”.

A segunda parte da manhã contou com a presença de Pasquale Ferrara, diretor-geral para assuntos políticos e de segurança do Ministério das Relações Exteriores, ex-embaixador na Argélia. Pasquale Ferrara, em diálogo com os jovens, falou dos muitos conflitos que ocorrem no mundo, traçando um panorama de 360 graus das causas que geram guerras. “Costuma-se dizer que as guerras são causadas por razões de realismo para se defender contra os ataques, para defender os povos, para garantir a segurança. Mas depois de cada guerra você fica ainda mais inseguro e nenhum problema foi resolvido”. Ele recordou uma frase usada frequentemente: “Se você quer paz, prepare-se para a guerra”. “Mas a verdade” – acrescentou – “é que, se a guerra estiver preparada, a guerra virá mais cedo ou mais tarde. E isso é demonstrado pelos muitos conflitos desencadeados no mundo de hoje”.

Ao falar de migrantes, ele destacou que esse fenômeno de hoje é o resultado dos grandes conflitos que existem no mundo hoje. A falta de perspectivas, a impossibilidade de projetar o próprio futuro está na origem de muitas migrações. Recordando sua experiência como embaixador, ele falou da Argélia, um país onde as condições de vida não são miseráveis (universidade gratuita, livros gratuitos, residências universitárias gratuitas para os estudantes), mas muitos jovens ainda deixam o país porque procuram uma condição melhor para o seu futuro. Se em alguns países são erguidos “muros”, na Europa existe um “muro invisível” chamado Schengen, que limita a mobilidade humana. De má-fé, ela é chamada de invasão. A história da humanidade sempre foi feita de migrações, de povos que se encontram e se misturam. A migração não é um fato patológico, mas um fato fisiológico. Devemos ter uma perspectiva de longo prazo. No planeta “Terra” não há imigrantes ilegais, somos todos legitimamente cidadãos da Terra. No caso, existem pessoas “irregulares”. Os migrantes – segundo Ferrara –, mesmo que não sejam perseguidos, são o resultado dos grandes conflitos da humanidade. Eles nos questionam sobre nossa maneira de pensar e de administrar o Estado. Precisamos de uma “política planetária” capaz de olhar não apenas para o bem-estar de cada Estado, mas para o bem-estar de toda a humanidade. Os representantes políticos não representam apenas os eleitores, mas todos os seres vivos (animais, plantas, equilíbrios ambientais), que servem para nos lembrar como administrar o Estado. O “Planeta Terra” é a casa comum da vida.

“As guerras – concluiu – destroem a vida, são um assassinato em grande escala, mas também são um ECOCÍDIO. Preservar a vida humana e a vida do planeta é um grande desafio para a humanidade de hoje.”

Às 15 h, realizou-se o espetáculo teatral “Solo Andata”: um estudo inspirado livremente no livro “Solo andata”, de Erri De Luca, com curadoria de Davide Fasano e da Academia e Escola de Teatro “Fughe Organizzate”. Seguiram-se dois workshops.

Às 16h, houve a celebração da missa, seguida de duas oficinas.

Das 20h30 às 23h, na praia de Steccato di Cutro, houve a apresentação de um flashmob: “Silêncio, escuta, palavra: nossa oração pela paz”.

Vale lembrar que o ponto culminante desse dia, em Steccato di Cutro, nas praias com vista para a Piazzale África, foi quando recordaram que em 23 de fevereiro de 2023 houve um naufrágio, no qual morreram 94 pessoas, além de um número indefinido de desaparecidos. Entre os mortos estavam homens, mulheres e crianças. Os jovens participantes do Genfest quiseram honrar a memória dos migrantes. Um grupo de artistas italianos, libaneses e jordanianos criou uma estrutura performática para dar um rosto a todas as vidas que pararam de brilhar, para trazer sua centelha de eternidade entre nós. Vozes e gestos tornaram possível reconstruir e narrar suas histórias, que surgiram do mar – simbolicamente de um barco cujas luzes se apagaram ao se aproximar da costa – para rememorar e evitar que isso acontecesse novamente.

A “performance participativa” teve curadoria de Rita Amidi (textos das histórias), Marta Carino (direção de vídeo), Alessandra Cassone (voz das histórias), Eleonora Guarracino (figurinos), Angela Iantosca (narradora de palco), Fernando Muraca (conceito e direção), Riccardo Piterà (desenho de luz), Maria Salvatori (violoncelo), Apo Yaghmourian (cenários e codireção).

A programação da noite foi apresentada pelo prefeito de Cutro, Antonio Cerasa, que agradeceu aos jovens do Genfest que vieram honrar a memória dos migrantes e recordar uma tragédia que marcou fortemente a vida dessa cidade. Ele lembrou que os calabreses, os cidadãos de Cutro, também eram migrantes. “Mas, ao contrário de então, eles saem sabendo que podem não chegar. Essas pessoas devem ser salvas, as outras dinâmicas são deixadas para os outros”. Ele lembrou a capacidade de acolhimento da comunidade de Cutro, disposta a oferecer não apenas um cobertor, mas de abrir os corações. E acrescentou: “Ver vocês, jovens, aqui hoje, enche o coração de alegria. Eu nunca teria imaginado um evento como este”. E concluiu lembrando a mensagem de fim de ano do presidente Sergio Mattarella, que – citando a tragédia de fevereiro de 2023 – disse: “Os valores que a Constituição coloca na base da convivência foram encontrados na piedade recatada do povo de Cutro”.

São valores que os jovens do Genfest partilharam e imortalizaram e que – através deles – chegarão aos seus países de origem.


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