Workshop
Talitha Kum: irmãs contra o tráfico
No dia 8 de fevereiro irá se realizar uma maratona mundial de oração online contra o tráfico de pessoas, com reflexões e testemunhos das várias realidades empenhadas no mundo contra este flagelo. Irmã Gabriella Bottani é a coordenadora de Talitha Kum, a rede das superiores gerais contra o tráfico de pessoas, promotora do evento. Em suas palavras, ter o senso de compromisso a fim de debelar esse flagelo social.
“Menina, eu te digo, levanta-te” (Mc 5,41), lemos no Evangelho de Marcos. É Jesus quem fala, dirigindo-se à filha de doze anos de Jairo, chefe da sinagoga de Cafarnaum. A menina já estava sem vida, mas assim que Ele disse essas palavras, ela se levantou e começou a andar. “Talitha Kum”, Jesus pronuncia em sua língua, o aramaico. E é precisamente esta expressão, que fala da força transformadora do amor, que dá nome à rede mundial de vida consagrada que desde 2009 se empenha no combate ao tráfico de pessoas e no acompanhamento das vítimas. «Talitha Kum nasceu da ideia de unir forças a partir de uma relação de confiança que, como freiras, construímos ao longo dos anos – explica a Ir. Gabriella Bottani, coordenadora internacional da rede –; é um trabalho para promover a colaboração em enfrentar aquela que é uma das mais graves violações dos direitos humanos do nosso tempo».
Ir. Gabriella Bottani é uma missionária comboniana e conheceu de perto os efeitos do tráfico de pessoas quando esteve no Brasil, onde realizava um serviço de prevenção e acompanhamento de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual. «Gosto de dizer que não somos nós que nos aproximamos deles – especifica –, o nosso é um longo caminho, durante o qual temos de nos despojar de muitas coisas para nos aproximarmos daquela realidade que é uma das partes mais sagradas do nosso ser: a dor que experimentamos. É preciso um longo caminho interior para não entrar como um elefante em uma loja de cristais, para não quebrar algo que já é muito frágil. Por isso, muitas vezes são eles que vêm ao nosso encontro».
Mas o que está na base do vínculo de proximidade e acompanhamento das religiosas e consagradas com as pessoas que sofreram essa violação de sua dignidade?
«Certamente existe um chamado – explica Ir. Bottani –, um chamado de um Deus que vê, e vê através dos nossos olhos, que se apaixona através do nosso coração, que cuida com as nossas mãos. Creio que aquilo que nos liga é nos encontrarmos com Deus no cuidado, no acompanhamento de processos de redenção lindos, mas também muito dolorosos. Além disso, é um papel de denúncia desta grave violação da dignidade e desta profunda limitação da liberdade para fins de exploração, que se encontra em um contexto econômico que destrói».
Um problema vasto e escondido
É difícil dar as dimensões desse fenômeno, que está em grande parte submerso. De acordo com as estimativas, a maioria das vítimas são mulheres e crianças, que são traficadas principalmente para exploração sexual. É uma das atividades criminosas mais lucrativas, como o tráfico de drogas e de armas. «As mulheres também são traficadas para trabalhos domésticos em condições análogas à escravidão, para atendimento a pessoas necessitadas e para serviços do terceiro setor: limpeza, hotelaria, massagens… Encontramos algumas mulheres na agricultura, mesmo que na maioria sejam homens mas, para a colheita do chá, em algumas regiões, são quase exclusivamente mulheres. Depois, temos toda a questão da exploração na construção, na indústria têxtil, na produção de tijolos, no cultivo de camarão em manguezais, no sudeste da Ásia, ou nas minas de ouro de Gana, ou na indústria da pesca em barcos pesqueiros», completa Ir. Gabriella.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem cerca de 21 milhões de pessoas no mundo que são vítimas do tráfico de seres humanos. Todos os anos, de 700.000 a 2.000.000 de pessoas são traficadas, a maioria das quais de origem asiática. «Essas pessoas são recrutadas entre aqueles que têm dificuldade de acesso ao trabalho, que provêm de ambientes pobres ou que sofreram impactos de destruição ambiental ou outros fenômenos, como grilagem de terras. Portanto, dizemos que a exploração da terra e a exploração humana estão conectadas. No entanto, normalmente as áreas de exploração são aquelas onde existe uma maior necessidade de mão de obra de baixo custo. E sabemos que algumas realidades, como a definição dos preços das grandes multinacionais agrícolas, levam consequentemente a motivar cada vez mais uma redução dos custos do trabalho». Ir. Gabriella explica também que não devemos pensar em um tráfico necessariamente internacional, por exemplo, da África para a Europa, mas que também pode ser um fenômeno interno, nacional. «O que nunca devemos esquecer – ela faz questão de frisar – é que por trás de cada número, sobretudo das estatísticas, temos uma vida, temos uma pessoa, temos sonhos, desejos e relações que se destroem em prol do lucro. São nomes, são pessoas».
Um caminho difícil de renascimento
Como fazer para acompanhar uma pessoa que é vítima de tráfico no caminho da recuperação da própria dignidade e humanidade? Ir. Gabriella explica que a exploração costuma ser tão “normalizada” pelas vítimas que elas nem conseguem mais reconhecer a gravidade do fato da própria exploração, pois é a única maneira de evitar morrer de indigência. Porém, quando consegue encontrar forças para denunciar, o mais importante, no início, é sentir segurança: «Saber que tem o que comer, que tem um lugar para dormir, um espaço protegido onde a pessoa pode voltar a ter contato consigo mesma. Ter um pijama limpo, lençóis perfumados que o recebem numa cama: para nós parece algo óbvio, mas não é para todos. Recuperar os pontos básicos do respeito pelo nosso corpo e ter um espaço para se alimentar; então, para aqueles que conseguem, e não sofreram traumas, voltar a fazer as coisas normais. Quem for jovem vai voltar à escola, quem puder fazer algumas atividades vai se engajar no que se chama de “terapia ocupacional”… E há todo um caminho de controle, de acompanhamento da saúde física e mental, de acompanhamento psicossocial para reelaborar o trauma e reconstruir a própria vida. Até encontrar um trabalho digno, que permita sobreviver, que dê à pessoa uma reinserção plena na sociedade». No entanto, a “compensação” permanece: quem compensa os danos econômicos recebidos pelas vítimas de tráfico? «Em 2019, das 2.154 vítimas estimadas de tráfico, apenas para uma houve o julgamento de um traficante – diz a Ir. Gabriella – ou seja, parece que na questão do tráfico ninguém é responsável. Eu, mais do que punição, prefiro falar de responsabilidade, porque devemos aprender a nos responsabilizar pelos atos que praticamos, por toda a cadeia da exploração: desde quem recruta até quem explora, até quem usa a exploração. Portanto, sim, existem processos que devemos realizar sobre as responsabilidades individuais, mas como o Dia Mundial de Oração deste ano nos convida a fazer – e The economy of Francesco também nos convidou a fazer – devemos pensar nas dinâmicas estruturais que estão na base para a sistematização da exploração, nas quais algumas pessoas, muitas, pois se trata de milhões de pessoas, se encontram esmagadas por estarem encravadas em um sistema que efetivamente também é de tortura».
Um dia de oração e de sensibilização contra o tráfico
Por isso há um dia como 8 de fevereiro, de conscientização e de oração. «Como cristãos – mas muitas outras pessoas de outras religiões estão aderindo; por exemplo, um monge budista também participará do grupo do Japão –, a oração é importante, não podemos separar a oração da ação, sustenta a esperança. A oração deve dar origem a pensamentos que depois se tornam ações. Este ano propomos como tema: “Uma economia sem tráfico”. Isso para que possamos perceber, para além da violência, o drama daqueles que são as molduras, os contornos e os motivos mais profundos deste fenômeno».
O encontro, então, é para todos no dia 8 de fevereiro de 2021. Para participar, basta visitar o site: https://preghieracontrotratta.org/, no qual você pode encontrar informações e materiais para oração em italiano, inglês, francês, espanhol e português, e também o link para acompanhar a maratona mundial via YouTube: https://www.youtube.com/c/preghieracontrotratta.
Quando as aranhas unem suas teias, elas podem derrubar um leão.
Provérbio etíope