Workshop
Uma diplomacia de pequenos gestos
Como se vive em Kiev (Kyiv) nestes dias de tensão em vista de uma possível guerra? Entrevistamos Mira Milavec, que está na Ucrânia há quase três anos.
Ventos de guerra têm soprado nas últimas semanas sobre a Europa Oriental com o braço de ferro entre o governo pró-ocidente em Kiev (Kyiv) e o governo russo. Há semanas que se respira uma ar de tensão entre os dois países, que dura pelo menos desde 2014 e tem causas políticas e econômicas bem precisas, existentes há muito mais tempo. Não gostaríamos aqui de fazer uma análise geopolítica, não compete a nós, mas queríamos ouvir a voz de quem vive esta situação na própria pele, de forma direta. Entramos em contato com a Mira Milavec, uma eslovena que vive em Kiev (Kyiv) há três anos.
A mídia está nos dizendo todos os dias o que está acontecendo na Ucrânia. Como você, que mora em Kiev (Kyiv), nos descreve isso?
«Nos últimos tempos fomos entrevistados para vários rádios, televisões, que nos perguntam como estamos vivendo. Eu lhe digo a verdade, não vivemos a tensão que é contada no exterior. Sabemos dos problemas, sabemos que pode haver uma guerra e estamos nos preparando para o chamado “plano B”, mas aqui estamos tentando, acima de tudo, seguir em frente com tudo aquilo que a vida cotidiana nos pede e com o nosso trabalho baseado no diálogo.»
Quando você fala sobre trabalho baseado no diálogo, o que quer dizer? Por quê?
«Estou em Kyiv para apoiar e incentivar a comunidade do Movimento dos Focolares, e trabalho na Cáritas. De manhã à noite, ou pelo trabalho, mas sobretudo pela escolha de vida, busco o diálogo em todas as ocasiões.»
Quais são as dificuldades mais evidentes que vocês encontram?
«A Ucrânia é um país muito heterogêneo, um povo rico, mas que sofreu demais. A maioria é da Igreja Ortodoxa. Se começarmos a conversar com as pessoas sobre o que está acontecendo, algumas estão prontas para ir às ruas para se proteger, e isso leva a entender que ainda há muito a fazer, o caminho para o diálogo requer muito esforço.»
Segundo você, por quê?
«Pelo que eu disse há pouco. São pessoas que sofreram muito, têm uma história complexa e que agora se encontram vivendo por conta própria, abandonadas pelos russos e agora também pela Europa, que pela percepção daqui está muito distante, mais preocupada com os próprios interesses. Esse abandono levou, também na esfera pessoal, a um individualismo que pode explodir em uma situação de tensão como esta.»
Você mora em Kyiv desde 2019. O que pode nos dizer sobre o povo ucraniano?
«Por um lado, existe aquilo que eu lhe disse: um povo tradicional que ainda, como tendência, tem dificuldade para ver e entender que o outro é meu irmão. Por outro lado, quando você se dispõe a escutá-los – e é a minha experiência – as pessoas lhe dão tudo, abrem o coração e realizam muitas ações concretas de proximidade com o outro. O individualismo nasce do medo, por terem sido deixados sozinhos, não pela vontade de se distanciar dos outros.»
O que fazer para ganhar a confiança do outro?
«Por exemplo, com a escolha de ficar aqui. Nos últimos dias, como estrangeiros e prevendo o pior, tivemos muitas oportunidades e ofertas, inclusive diplomáticas, para retornar aos nossos países. Eu, minhas companheiras e minha comunidade fizemos um discernimento, e ficou imediatamente claro que não podíamos ir embora. Este é o nosso povo, nossa família, devemos e queremos ficar aqui com eles. Essa escolha tocou muitas pessoas, que perceberam que podem confiar em nós, entenderam que estamos aqui por algo maior.»
O diálogo sempre é um desafio…
«Em 26 de janeiro, no dia da oração pela paz na Ucrânia a convite do Papa Francisco, o Núncio Apostólico falou expressamente na missa de rezar pelos inimigos. Não é fácil, mas aqui entendo que para responder ao desafio é preciso sobretudo a vida, o testemunho, nas pequenas e nas grandes coisas, para mostrar uma alternativa viável e um olhar mais amplo. O desafio é conseguir ser fiel justamente a esse testemunho. Mas já a escolha de ficar, como eu disse antes, foi muito forte, deu um chacoalhão. E não só a nossa escolha do Movimento dos Focolares, mas também a da Igreja e de muitas pessoas que fazem o bem e que não fugiram.»
Vocês se ajudam?
«Sim, é claro, estamos conectados, cada um tenta ajudar o outro, seja na elaboração do plano B, seja indicando os lugares mais seguros em caso de perigo, mas principalmente dando força uns aos outros e levando a termo a nossa parte.»
Qual é a sua parte agora?
«É trabalhar para um projeto da Cáritas contra a violência doméstica e a proteção das mulheres. É um projeto que vai começar em 1º de março e, apesar de tudo, nós estamos dando continuidade, porque é isso que temos que fazer.»
Você está fazendo tantos esforços, enquanto isso a política vai por outro lado.
«Não sei lhe dizer sobre isso, mas posso dizer, sem citar nomes, que há alguns diplomatas, embaixadores, esposas de embaixadores que acreditam no diálogo, rezam por isso, trabalham para isso. É um trabalho muito árduo, mas essencial, que mais cedo ou mais tarde dará seus resultados.»
Rezam?
«Sim, rezam, todos nós rezamos pela paz, em alguns casos até mesmo juntos, e procuramos atuar aquela diplomacia da fraternidade nas pequenas coisas, que faz a diferença. Isso, assim como a ajuda mútua que está ocorrendo, leva a entender que o amor é realmente mais forte do que tudo.»
E o que podemos fazer?
«Promover esse diálogo, realizar o diálogo a todo custo, mesmo nas pequenas coisas da vida; questionar-se e discernir diante de cada situação difícil: posso criar pânico, mais divisão ou fazer algo pelo diálogo? Pelos vasos comunicantes, aquilo que você vive também é bom para mim, para nós nestes momentos, sem saber se ainda viveremos ou não; pensamos duas vezes sobre o que dizer e o que fazer. Especialmente sobre o que permanece. E no final permanece a certeza de que somos irmãos. Só tem isso agora.»