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Iêmen extenuado entre guerra, pobreza e Covid 19
Por Bruno Cantamessa
Nesse país já atormentado, chegou a Covid-19, colhendo as primeiras vítimas e se espalhando sem nenhum controle. A complexa situação política e militar não emite um bom presságio. E há também o risco de uma catástrofe ambiental.
No site Médicos sem Fronteiras, foram publicados alguns testemunhos diretos sobre a propagação da Covid-19 no Iêmen. A organização internacional, que atua em 72 países do mundo inteiro, está presente no Iêmen há mais de 30 anos e de forma estável desde 2007. Como era previsível, e temido, a pandemia está se espalhando por esse país já prostrado pela guerra, pela fome e pelas epidemias de cólera, difteria e dengue. O centro de MSF está localizado na periferia de Aden, em um antigo hospital oncológico reformado, e é o único centro médico dedicado ao tratamento da Covid-19.
«O que estamos vendo em nosso centro – diz a coordenadora Caroline Seguin – é apenas a ponta do iceberg em termos de número de pessoas infectadas e morrendo na cidade. Os pacientes chegam até nós tarde demais para serem salvos, e sabemos que muito mais pessoas não estão vindo e estão morrendo em suas casas».
O pátio do centro médico de Aden é ocupado por fileiras de cilindros de oxigênio, mas é cada vez mais difícil manter o reabastecimento; são necessários 250 cilindros por dia para manter vivos os pacientes atualmente internados em terapia intensiva. E os dispositivos de proteção individual para médicos e profissionais da saúde também são insuficientes. As máscaras são lavadas e reutilizadas.
Segundo os relatórios disponíveis, até o início de junho, a Covid-19 tinha alcançado 10 das 22 províncias nas quais o país está dividido, com quase 500 contágios e 122 mortes. Mas as informações são escassas em relação a 60% da população, que vive fora das áreas urbanas (de 18 a 20 milhões de pessoas). E a pobreza é tão grande (120 dólares por mês é a renda média) que o custo das máscaras, quando encontradas, é insustentável para a maioria das pessoas: 300 riais (0,50 dólares) para as mais simples e até 5000 riais (8 dólares) para as profissionais.
No contexto social de uma guerra caótica e fragmentada como a do Iêmen, o conceito de distanciamento social é algo estranho, quase incompreensível, comparado com as bombas, com a fome e com os problemas que colocam em risco a sobrevivência todos os dias. No Norte e no Sul.
O quadro político é muito difícil de compreender. Com extrema simplificação, pode-se dizer que estão em andamento dois conflitos entrelaçados. No Norte, há os rebeldes, denominados Huti, em homenagem a seu fundador, prevalentemente xiitas zaiditas e pró-iranianos pertencentes a Ansar Allah (partidários de Allah).
Os Hutis estão em contraposição aos sauditas, que apoiam os iemenitas do sul do Iêmen, do reconhecido governo de Aden. A Arábia Saudita, que luta contra os rebeldes hutis, lidera uma coalizão que também inclui os Emirados Árabes Unidos (EAU).
No Sul, no entanto, o governo de Aden (mencionado acima) é contra os separatistas do Conselho de Transição do Sul (STC), que estão em oposição aos sauditas e são apoiados pelos Emirados Árabes Unidos. Mais ou menos assim: sauditas e emiradenses são aliados ao Norte e adversários ao Sul.
No Sul, existe uma fragmentação extrema entre as áreas pró-sauditas, que rejeitaram a declaração de autonomia dos separatistas, e outras pró-separatistas. Ao lado e no meio, há áreas controladas por adeptos da Al-Qaeda e outras próximas ao Daesh. Um caos inextricável de todos contra todos, «em uma área já toda pontilhada de micropoderes e microbatalhas” (E. Ardemagni, in Dossier Ispi, Focus Mediterraneo allargato n.13, maio de 2020).
Para tornar as coisas ainda mais complexas, se fosse possível, também devemos levar em consideração as pessoas que se deslocam internamente e os migrantes externos. É difícil determinar quantas são as pessoas que se deslocam internamente, porém trata-se de alguns milhões. Os migrantes externos são aproximadamente 138 mil (OIM), principalmente etíopes e somalis provenientes do Chifre da África, ali perto. Mas continuamente chegam outros.
Se acrescentarmos as potências que fornecem armas aos contendores e os produtores de armas que abastecem uns e outros, começamos a intuir por que a pandemia da Covid-19 é apenas um dos elementos – percebido talvez como nem sendo tão grave – com os quais os iemenitas devem conviver todos os dias.
O absurdo de tudo isso é que os contendores percebem que a esse ponto ninguém é capaz de prevalecer, mas não sabem como sair disso. Como se não bastasse, o petroleiro britânico Safer, abandonado há cinco anos ao norte de Hodeida, corre o risco de desmoronar, despejando 140 mil barris de petróleo (mais de 22 milhões de litros) no Mar Vermelho. Será necessário um dos piores desastres ambientais da história para mudar alguma coisa?